domingo, 1 de dezembro de 2013

Prazeres secretos de Adriana Milane



Adriana cultiva pequenos prazeres que ela não conta nem para as melhores amigas. Por exemplo, marcar encontros e não comparecer. Marcou com Nelinho quarta-feira passada. Os dois iam tomar uma cerveja num bar de esquina, em frente à praça Velha Montenegro. No telefone, Adriana comentou que o bar estava de cara nova, haviam mudado a decoração, colocaram um piso diferente, de cerâmica portuguesa, e essas mesinhas de pedra polida, que ela nunca sabe se é mármore ou granito. Nelinho parecia empolgado:  
Então está marcado. Sete e meia. Não vai esquecer, hem, princesa!  
Claro que não.
Sei que você sempre atrasa uns dez minutinhos.
Que é isso! Não atraso, não, de jeito nenhum!
Não tem erro. Já estou acostumado.  
Tudo bem, talvez eu atrase uns cinco minutos. Mas eu chego, pode me esperar.
Então tá, meu anjo. Te espero lá.
Beijo, gracinha.


Na quarta à noite Adriana se deitou na cama e ficou pensando numa luminária sofisticada que vira numa revista de decoração. Três lâmpadas envoltas em vidro escovado, unidas por uma armação metálica orgânica e tortuosa. Um objeto que parecia uma fusão perfeita de planejamento humano com as imprevisíveis e caprichosas leis do acaso. Quando notou que já eram sete e meia, ela foi sentindo aquele calorzinho gostoso, aquela comichão suave na altura das pernas. Nelinho devia estar saindo do táxi, entrando no bar, escolhendo uma mesa num cantinho mais escuro. Às sete e quarenta ele devia estar pedindo uma água mineral, segurando-se para não mandar uma mensagem para o celular dela. Sete e quarenta e cinco, chegou a mensagem, e Adriana estava de olhos fechados, alisando a parte interna das coxas. Adivinhava que Nelinho estaria pensando avidamente nela, verificando o celular a cada quinze segundos, ansioso pelo momento em que ela entraria no bar e olharia ao redor, procurando por ele. Sete e cinquenta chegou a segunda mensagem, e o travesseiro já tinha ido para o meio das pernas. Adriana sabia que o homem estaria considerando pedir a conta e jurando para si mesmo nunca mais marcar nada com aquela vadia. Mas ela ainda acreditava numa terceira mensagem, implorando disfarçadamente, falando algo como "hoje não deu, mas talvez na sexta" ou "vou ficar até tarde na Lapa, se der, passa lá". E de fato a terceira mensagem chegou alguns minutos mais tarde, quando Adriana já estava suada, revirando os olhos, ofegante como uma jogadora de tênis. Estava se tornando um vício. Quase toda semana, era pelo menos um encontro que ela frustrava por mero prazer.


Outra coisa que sempre a diverte é pedir pequenos favores aos colegas de trabalho. Todo dia, antes de sair da agência, ela guarda o corretivo num dos armários do corredor, para garantir o prazer de pedir, no dia seguinte, que algum colega o pegue para ela. Quando um desavisado entra na sua sala, e pergunta se ela já preencheu alguma planilha idiota, ou puxa assunto sobre a última bobagem do ator do momento, Adriana responde no piloto automático, depois acrescenta, displicentemente:
Vem cá, já que você está mais perto do corredor, pega o corretivo para mim.
Claro, é para já diz o desavisado, sem saber que, assim que ele virar as costas, ela vai fechar os olhos, morder de leve o lábio inferior e sentir um arrepio gostoso lhe subindo pela espinha.


Claro que ela nunca usa o corretivo, que é coisa de gente preguiçosa e nojenta. Quando tiver sua própria empresa, não hesitará em demitir todos os funcionários que usarem aquela meleca fedida. Está se deliciando com esse pensamento quando o néscio volta com o vidrinho na mão, feliz como um cachorrinho de madame. Ela agradece sem tirar os olhos dos papéis sobre a mesa, e espera que ele saia da sala para voltar a suas fantasias.


Adriana ainda não sabe se quer ter seu próprio negócio ou ser gerente de uma empresa maior. Mas tem certeza que deseja o poder de demitir. Quando ela for chefe de departamento, e um funcionário fizer uma besteira qualquer, como usar o corretivo ou repassar piadinhas machistas para os emeils dos colegas, Adriana vai anotar na sua agenda que precisa conversar com aquele fulano. Na sexta-feira, no último minuto do expediente, vai chamá-lo à sua sala, vai falar pacientemente, num tom sereno e firme, que aquele tipo de comportamento não corresponde ao perfil da empresa. Vai explicar que a gerência busca homens com autodomínio, segurança, mas também gentileza, educação e até certo refinamento. Firmeza por dentro e leveza por fora. Ele não deve esquecer: esse é o perfil que a empresa deseja manter no seu quadro de funcionários. E o boçal vai sair da sala atordoado com aquele sermão, mas vai deixar para trás uma mulher satisfeita, com a musculatura do quadril firme, as faces coradas, os lábios levemente contraídos e uma impressão de serena felicidade.


Porém tudo isso seriam apenas primícias para a disciplinada e hierárquica Adriana Milane. O êxtase propriamente dito só viria numa situação extrema. Na semana seguinte, por exemplo, o mesmo funcionário talvez revelasse não ter aprendido a lição. O suculento corretivo emplastaria novos relatórios; uma estagiária repassaria, sem querer, uma piadinha ridícula que recebera, por emeil, do visado fulano de tal. Então Adriana Milane trincaria os dentes e tomaria um fôlego profundo. Sentiria as batidas do coração subindo-lhe até o topo da cabeça. Contaria até dez, rememorando suas aulas de meditação, e hesitaria por alguns segundos antes de se decidir pela demissão. Mas tão logo o decidisse, já começaria a sentir uma agradável sensação de conforto. Sua pressão voltaria ao normal. Um relaxamento vitorioso lhe tomaria os ombros e as costas. Ela deixaria a agência mais leve naquela noite, já programando o espetáculo que encenaria no dia seguinte.


E o dia seguinte, desde o primeiro instante, já seria um dia triunfal. Cada vez que olhasse ou simplesmente lembrasse do néscio do corretivo, ela teria um pequeno arrepio de prazer. No fim da tarde, ligaria para o ramal dele e o intimaria a uma conversa na sala dela. O homem iria tranquilo, antevendo um mero sermão inútil de uma chefe histérica. Mas dessa vez teria uma surpresa.


A gerente olharia para ele com um desprezo calculado, perguntaria num tom baixo e suave:
O que aconteceu com esse emeil? Você não conseguiu se conter?
Passaria para ele uma folha impressa com a piadinha machista. O homem não disfarçaria o susto.
Isso não foi enviado para você!... Quer dizer, para a senhora. Não tem nada a ver com a empresa, mandei só para alguns amigos... não sei como...
Adriana morderia os lábios, seu prazer começaria a chegar num ponto difícil de manter invisível.
Então foi você que o repassou aos colegas? Você confirma essa informação?
Mas quem repassou para a senhora? O sujeito que fez isso não estava bem intencionado, não respeitou minha privacidade, você não vê que é alguém que…
O homem a essa altura já tremeria. Adriana também, mas não por medo ou irritação e sim por um motivo sublime.
Então, senhor Damasceno ela adora usar sobrenomes a situação está suficientemente esclarecida, não acha? O senhor desrespeitou uma norma da empresa, e já tinha sido alertado sobre isso.
Não, mas eu… quer dizer, não tem nada a ver com a empresa, não mandei para ninguém da empresa.
E além de tudo está mentindo. Se não mandou para ninguém da empresa, como o emeil chegou até mim?
E nesse momento ela teria que abaixar a cabeça e fechar os olhos, porque as contrações ficariam mais fortes. O homem começaria a tagarelar. Ela precisaria agir rápido.
Amanhã o senhor pode passar no RH. Se preferir esvaziar sua mesa amanhã, não tem problema nenhum. Não precisa se preocupar com o computador, o técnico vai formatar o HD e deixá-lo pronto para o novo funcionário.
O homem notaria algo diferente na última frase, que sairia trêmula e sibilante.
Vou pedir para o senhor se retirar. Estou sentindo um leve mal estar, preciso ficar sozinha.

Adriana chegaria à porta já ofegando ligeiramente, manteria os olhos baixos quando Damasceno passasse por ela. Não notaria se o homem olhasse com perplexidade para seu pescoço suado; não ligaria a mínima se o boçal estivesse em estado de choque. Assim que ele saísse da sala, ela firmaria as costas na parede, esticaria as pernas e empurraria os pés contra o chão. Sentiria as contrações violentas agindo nas coxas e nos quadris, soltaria o ar em gemidos lentos e abafados, depois morderia os lábios, apoiaria uma mão na maçaneta e suspiraria como quem entra num banho quente. Quando sentisse as virilhas molhadas já estaria soberbamente satisfeita. Pensaria que aquele foi dos grandes e era uma pena não poder repeti-lo com frequência.


Quando entrasse no banheiro, estaria relaxada o bastante para curtir uma mijada lenta e sonora. Depois enxugaria sem remorso o excesso de umidade. Diante do espelho, se recomporia com tranquilidade, sem o menor sentimento de culpa. Os funcionários a essa hora já teriam ido embora, ela poderia voltar para sua sala cantarolando, talvez até se debruçasse na janela e apreciasse por um segundo a paisagem de janelas uniformes em frente a seu andar. Em algum lugar lá em baixo caminharia um homem arrependido de usar corretivo e repassar piadas por emeil. Pensar nisso deixaria Adriana serenamente feliz, sentindo-se como se tivesse cumprido sua missão no mundo. Lamentaria apenas não poder ver a expressão do sujeito, não poder assistir de alguma forma como ele agirá no próximo emprego, se realmente mudará de atitude ou encontrará uma chefe mais piedosa, complacente com sua rudeza e descortesia. O mundo está cheio de gente complacente, por isso tudo anda tão sujo e mal acabado.


E quando volta para sua realidade, Adriana sente certa umidade delatora nas virilhas. Agora precisa realmente ir ao banheiro, mas o banheiro da pequena imobiliária onde trabalha é minúsculo e abafado. O papel higiênico é áspero e o vaso recende a urina masculina. Nesse cubículo humilhante, ela se recompõe com dificuldade e quase sente vergonha de ter se masturbado no trabalho. No ônibus para casa, ela pensa em ligar para Nelinho e marcar alguma coisa para o fim de semana. Nelinho é estúpido o bastante para cair novamente na sua armadilha. Em casa, depois de um banho quente, ela pega a revista de decoração e olha mais uma vez sua luminária preferida. Faz mentalmente as contas. Mais três meses e ela poderá comprá-la. Três meses não é muito. Ela tem paciência, perseverança e disciplina. Ela sabe que pode esperar. Esperar é tudo que ela sabe fazer.