Hoje eles não ficam muito tempo dentro de mim. Chegam de noitinha ou de madrugada, tiram as roupas, tomam seus banhos demorados, às vezes secam o cabelo, às vezes apenas caem na cama e dormem um sono mudo e sem sonhos. No dia seguinte acordam com um telefonema da portaria e saem apressados, alguns ansiosos para voltar a suas casas e famílias, outros lamentando não poder prolongar esses raros momentos de solidão, quando se vêem livres das reclamações da mulher, da televisão alta e das discussões intermináveis dos jovens.
Se eu não tivesse pertencido a uma casa, se eu mesmo não tivesse acompanhado a queda dos primeiros dentes, as primeira rugas, o escassear dos cabelos, talvez acreditasse que a diferença de idade fosse mera distinção física, como a cor da pele, a altura e o sexo. Os homens teriam dezoito ou sessenta anos como têm nariz grande ou pequeno, cabelos loiros e escorridos ou castanhos e encaracolados. Seus rostos enrugados ou lisos, seus pêlos abundantes ou escassos seriam mais um detalhe biológico que eles deveriam a um dos pais ou a algum ancestral mais antigo. Mas eu pertenci a uma casa, eu vi crianças perderem seus dentes e garotas ganharem seios e ancas redondas e felizes. Vi homens passando as mãos nos cabelos e reclamando de sua queda rápida e impiedosa. Vi mulheres chocadas com a mudança de seus corpos depois da primeira gravidez. Assim aprendi que alguns traços se devem à ação do tempo e que os homens todos primeiro são crianças lindas e vivas e só depois vão se encurvando e perdendo a dignidade. É certamente por isso que nunca os invejei, esses macacos pelados e falantes. Eles se agitam como moscas, olham para seus relógios e reclamam do tempo e da vida, sempre procurando alguém, às vezes até um deus, para culpar por sua paixão e seu tormento inútil. Cada vez que um deles blasfema dentro de mim, eu me regozijo em ser tijolos e cimento, indiferente às oscilações do câmbio, ao preço dos aluguéis e aos humores femininos. É delicioso durar mais que uma vida humana e ver o quanto ela tem de decadente e estéril. Me agrada permanecer em silêncio enquanto os homens agitam suas vozes em torno das coisas inconsistentes, seus governos e títulos, sua natureza pútrida, seus deuses plurais e conflitantes.
Contudo houve um breve tempo em que mirei com certa compaixão essas feras falantes. Não digo que os invejei, não digo - deus me livre! - que cheguei ao ponto de querer ser um deles. Mas não nego que senti certa alegria em ser parte do seu mundo, em abrigar olhos que transbordavam ternura e corpos que exalavam o suor feliz e confiante do amor - claro que estou falando de um casal. Eles vinham quase todo fim de semana, intuí que moravam aqui perto e precisavam de espaço para a recém descoberta privacidade. Ela se despia de pressa e um pouco nervosa, senti que ainda não sabia como realizar aquele ato com a naturalidade e a elegância que cabem às autênticas princesas. Mas o rapaz não se apressava em contemplar e tocar seu corpo. Ele já sabia da sacralidade do toque, do cheiro, do sabor marinho e acanelado que o amor infunde no corpo da mulher. Aos poucos ela se entregava confiante, num êxtase profundo e sereno como deve ser a entrega dos pássaros à sabedoria do vento. Depois eles permaneciam abraçados, exaustos, e seus corpos se encaixavam com a precisão e delicadeza das partes que querem se tornar um todo. A aura que pairava dentro e acima dos dois, serena e viva como uma oração, ficava ainda algum tempo no quarto depois que eles saíam. O perfume dela impregnava as paredes, brindava os próximos hóspedes e também a mim mesmo, que sinto os perfumes pelo tato, como quem sente a carícia suave do vento.
Às vezes ela começava a se vestir, e ele a puxava de volta para a cama, implorando um pouco mais do silêncio quente e pulsante da sua nudez. E esse segundo encontro era mais sereno, como a maré da minguante, e os dois se olhavam nos olhos e sussuravam as palavras que separavam definitivamente aquele evento do resto do mundo. Eles não tinham como saber que eu os percebia - sou muito raro entre os meus - e se acreditavam sem nenhuma testemunha, a não ser os seus próprios olhos e ouvidos, suas mãos e bocas, e as lembranças que ecoariam depois, nos seus sonhos, nos seus minutos de mudez, no banho ou num canto qualquer sem telefone. Nesses momentos, eu parava de perceber o tempo, mesmo o meu, que se arrasta com muito mais vagar, e acreditava vislumbrar um prenúncio confiável disso que vocês chamam de eternidade. Eu sabia que aquele instante existiria novamente, se não no meu interior, pelo menos dentro dos corpos que arfavam e se consumiam ali mais uma vez, dentro de algum mistério que era mais consistente e durável que eles mesmos.
E talvez tenha sido essa a minha fraqueza: acreditar que a eternidade coubesse em algo tão mais breve que ela. Nas semanas seguintes, eu perceberia uma eternidade inteiramente fiel a si mesma, e completamente indiferente ao meu amor recém descoberto pelos homens. Ele entrou sozinho, ficou sentado na cama, fumando, depois se despiu e se esfregou no lençol, como se procurasse alguma coisa entre seu corpo e o espaço vazio que pairava acima da cama. No espelho do banheiro, ele roçava a própria pele, buscando por algo de que a pele se lembrava, mas não podia reproduzir. Deitado na cama, ele fazia perguntas silenciosas ao teto. Não chorava como ela, não batia a porta quando saía, não parecia desesperado, apenas triste. A garota é que parecia pior, com seu choro soluçado e suas blasfêmias. Ela via suas lágrimas e muita culpa no espelho. Não chegava a se despir, e também não fumava, o que talvez fosse pior, pois seu corpo desocupado relembrava com mais precisão o toque dele. E os dois cultivaram por algum tempo esse sofrimento inútil e programado. Vinham sozinhos ao quarto, tentavam reencontrar um segundo da alegria sincera, da ternura sublime que viveram ali dentro. Conseguiam apenas a indiferença muda e altiva das minhas paredes - mas acreditem: isso era à minha revelia. Se houve um tempo em que quis adentrar o mundo dos humanos, se alguma vez eu desejei vibrar o ar com a potência e a clareza de uma voz, foi nesses dias em que eles vinham sozinhos buscar o conforto inútil de uma explicação. É claro que eu não explicaria, apenas diria a verdade, que já estava no mesmo espaço que os dois, precisando apenas encontrar o mesmo momento. Se ele soubesse que ela também voltava a mim e chorava a ausência do seu riso... Se ela soubesse que ele enfumaçava minhas paredes maldizendo a falta do seu perfume... Ah, se eu tivesse uma voz, se eu pudesse revelar a urgência dos pensamentos que ecoavam mudos nessas paredes, eu apenas mandaria que cessassem aquela dor mesquinha e encontrassem para além da fugacidade do rancor a longevidade segura do perdão. Eu adivinhava as acusações amargas que eles não confessavam às minhas paredes. Ele talvez tivesse freqüentado outros quartos, com amores menos belos e mais baratos. Ela, quem sabe se encantara um momento por algum rapaz mais altivo e rico, que lhe acenara com a possibilidade de hotéis mais caros e próximos do mar. Depois tudo era arrependimento. Os quartos mais baratos, afinal, não valiam o mísero dinheiro que custavam. E o rapaz altivo podia mesmo pagar hotéis melhores, mas não despertava nela a alegria terna e segura do seu amor plebeu. Mas os dois não ousaram falar sobre seu arrependimento, e eu, que talvez pudesse uni-los com a denúncia, permaneci trancado no meu silêncio impotente, esse mesmo silêncio que fora meu orgulho e era agora meu limite e meu destino.
E hoje os homens continuam a me habitar brevemente e a falar em seus celulares e a se agitar como moscas em torno das coisas que apodrecem. Confirmo que não os invejo, mas já não encontro no meu silêncio a paz convicta que antes encontrava. Miro a eternidade com certa desconfiança. Sei que vislumbrei algo maior e mais intenso que ela, embora mais breve, e desejei por um instante algo que ela não me concedia. Esse momento de revolta bastou para me jogar dentro do tempo, e agora conheço o desgosto inútil dos insatisfeitos. Os dois já não vêm mais aqui. Não duvido que tenham cedido facilmente ao esquecimento, essa pequena morte antes da morte definitiva. E eu, que conheci o meu limite, só me resta agora esperar também por algum tipo de morte, algo que me livre das grades do tempo - as mesmas grades que eu só enxerguei por causa do que havia de imortal naqueles dois.
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