Minha boca tem agora um gosto metálico, por isso temo que ela rejeite meu beijo. Estamos deitados no tapete, ouvindo a música que ela não quer cantar. A nudez é um detalhe que não chega a cobrir a formalidade dos nossos gestos. Sexo assim é melhor não fazer, eu sei. Mas achei que se a penetrasse romperia a barreira de silêncio que ela ergueu para se proteger. Estúpido engano. Tudo que consegui foi afastá-la ainda mais, para dentro de um limite menor e mais duro. Quando a música termina, eu me levanto para desligar o aparelho. Só então percebo a tristeza machucada dos seus olhos. É uma menina, apesar dos braços grossos. Eu peço novamente que cante. Talvez ela possa me perdoar, agora que acabo de descobrir sua infância insuspeitada. Ela abre a boca. Penso que finalmente ouvirei sua voz, segundos antes de levar a mordida. Meu sangue escorre pelas pernas. Vejo sua vingança consumada no tapete onde a possuí. Entrego-me aos seus braços, sem a menor esperança. A visão me falta, percebo que vou desmaiar, mas agora que sou um menino machucado, agora que ela também conhece minha infância, seu perdão me cobre como um sudário. Na escuridão do nosso encontro, finalmente ouço sua voz: ela canta para se despedir.
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