Hoje ele não quer chupar peitos — nem os mais redondos e firmes. Não quer ver uma mulher de quatro, não quer ouvir gemidos suaves (quase verdadeiros), nem se debruçar sobre um corpo macio depois da descarga aliviante. Ele não quer ir ao banheiro se livrar da camisinha, nem ficar abraçado na cama, imerso no cheiro misto de suor e látex. Não quer vê-la se vestindo, nem puxá-la de volta, alegando uma incapacidade qualquer para deixá-la. Não quer reiniciar as carícias, e se orgulhar de poder excitá-la novamente.
Quando ela telefonar, ele já sabe que não vai atender. Hoje ele quer a paz de uma cama vazia, o silêncio de um livro antigo, o inapelável cheiro de roupa suja de um quarto de solteiro. Pensamentos vagos vão lhe ocorrer, talvez até lembranças de uma infância descalça e triste, que ele já nem sabe se viveu realmente. Um suave arrependimento vai lhe perturbar por algum tempo, depois ele vai expurgá-lo num sonho levemente torturante, como uma longa música clássica. Aos poucos vai se reconciliar com seu corpo, seus quilos a mais, seus cabelos que já começam a escassear sobre a testa.
O problema é que ela não vai entender. Vai se sentir rejeitada, ultrajada na sua obscura dignidade de fêmea. Vai relembrar um antigo namorado, que a amava muito mais, e não a deixava sozinha nos fins de semana. Vai tentar acreditar que quer ligar para esse ex-namorado e marcar um encontro naquele restaurante afastado, perto de um motel. Depois vai pensar que toda a farsa não terá sentido se não for, de alguma forma, descoberta por ele. Então vai passar alguns minutos tentando criar um plano para que tudo — o encontro clandestino, a tarde no motel — chegue inevitavelmente ao conhecimento dele, e o faça arrepender-se como um criminoso imprudente. Mas em pouco tempo ela vai lembrar que não é assim tão boa em planejamento, e vai desistir definitivamente da idéia. Deitada, em frente à televisão, vai sentir o desejo se diluindo no seu corpo, como o sal se dilui em água. E os dois vão dormir, cada qual em sua cama, o sono morno de uma noite de outubro.
No outro fim de semana, aí sim, eles vão transar e gozar como rãs patéticas. E esse domingo de ausência será tão insignificante que não restará sequer na lembrança. Sem fotos, sem testemunhas, sem conseqüências, será uma gota de chuva caindo num lago, uma sombra encontrando a paz definitiva da escuridão. Até que um dia o corpo dele vai relembrar o desejo de uma cama vazia. Agora casado, ele irá procurar um hotel modesto no centro da cidade. Ela vai relembrar um antigo namorado, vai acreditar que quer dar um telefonema. E tudo se repetirá, com a monotonia infalível dos domingos.
Este é um dos meu preferidos!
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