Não dava mais para viver com duzentos por semana. Passei a cobrar quatrocentos. Peguei um pedaço de madeira e fiz uma nova placa:
Cobro quatrocentos reais para ler seu livro.
A segunda e a terça foram mortas, nenhum movimento. Na quarta apareceu um sujeito de óculos e sapatos. Era jovem, mas se vestia como velho.
─ Você também lê teses? ─ ele perguntou.
Eu sabia perfeitamente o que era uma tese. Minha filha havia feito doutorado no exterior.
─ Posso ler ─ respondi prontamente.
─ Eu posso pagar em duas vezes?
Não costumo parcelar, nem aceitar fiado, mas o sujeito me pareceu honesto. Resolvi lhe dar essa chance. Ele me deu duzentos reais, esclareceu que fazia mestrado em ciências socais. Passaria no dia seguinte para ma deixar uma cópia da sua tese. Era sobre os possíveis motivos do aumento da prostituição no interior do Rio de Janeiro, entre garotas de 18 a 24 anos.
Na quinta peguei a tese, e já fui lendo no ônibus. O sujeito escrevia muito mal, mas seus argumentos tinham lógica. Ele defendia que certos livros de depoimentos de garotas de programa estavam influenciando o comportamento das jovens fluminenses. Os livros não deixavam claro se as mulheres haviam se arrependido de sua opção. Citava muito uma tal de Bruna Surfistinha, que fora bestseller no ano anterior. Li a tese em cerca de três dias, mas ele só apareceu, como tinha prometido, na semana seguinte.
─ Então, o que o senhor achou? ─ Vi que ele estava ansioso.
─ Gostei.
─ Como assim, “gostei”?
─ Seus argumentos têm lógica. Tenho visto muita menina rodando bolsinha, mas não sabia que era por causa desses livros.
─ Bem, é uma hipótese. Eu não fiz nenhuma afirmação cabal.
─ Eu sei, eu sei... Hipótese... Mas eu gostei.
─ Só isso! Gostei!?
─ Que mais eu posso dizer?
─ O senhor fez alguma anotação?
─ Fiz não senhor.
─ O senhor só vai dizer que gostou?
Senti que o rapaz queria confusão. Procurei ser enérgico.
─ Olha, você leu o que está escrito aqui? “Leio seu livro por quatrocentos reais”. Você me perguntou se eu também lia tese, e eu disse que sim. Mas não disse que ia fazer anotação. Agora, por favor, veja o resto do pagamento. Meu trabalho é sério, não sou homem de ler mais de cem laudas por mera diversão.
O rapaz deve ter visto que eu não estava de brincadeira, pois me deu logo os duzentos reais.
Fiquei até contente quando ele foi embora. Eu estava com a impressão de que ele não tinha valorizado meu trabalho.
Na semana seguinte apareceram os clientes habituais. Eram funcionários públicos que me contratavam para ler seus livros de romance ou poesia. Também apareciam jovens autores que se queixavam de não ter a devida atenção da mídia. Eu sempre levei meu trabalho a sério, nunca fui de discutir. Lia todos os livros e exigia pagamento em dinheiro. Às vezes alguém me dava uma garrafa de vinho ou um exemplar autografado. Eu aceitava com gratidão, mas nunca pedi nada. Minha prioridade sempre foi o trabalho.
Depois daquele sociólogo, cheguei a pensar em não aceitar mais teses. Mas tinha muita senhora fazendo mestrado em Pedagogia ou Letras, e elas insistiam bastante. Resolvi aceitar, mas eu esclarecia que não fazia nenhuma anotação. As velhas concordavam numa boa, elas entendiam meu trabalho. Aliás acho que todo mundo continua entendendo meu trabalho. O tal sociólogo, graças a Deus, nunca mais apareceu por aqui.
Olá!
ResponderExcluirConheci seu blog graças ao José Geraldo (do Letras Elétricas) que mencionou você numa comunidade do Facebook, elogiando seu trabalho.
Para já, li apenas este pequeno texto, mas gostei bastante. Mesmo. Como meu sogro costuma afirmar, o texto curto é, provavelmente, o mais difícil de ser feito. E este me pareceu muito bem feito (mas não vou entrar nas implicações implícitas, rsrs)
Vou acrescentar o seu blog ao meu leitor de RSS e aos poucos vou lendo seus outros textos :)
Boa sorte e abraços!