Conheci
Luciana numa reunião do Clube da Leitura, que é um clube onde as
pessoas lêem trechos de livros e comentam sobre o que gostaram ou
não gostaram. Na verdade acontece mais coisa, mas eu nunca entendi
direito, então é melhor nem tentar explicar. Faz tempo que parei de
frequentar, primeiro porque não gosto de ler, e segundo, e mais
definitivo, porque lá só dava coroa. Luciana era uma exceção, com
seu vestido preto, seu decote autoafirmativo e sua maquiagem
vulgar, avacalhada pelo verão do Rio. No dia que nos conhecemos ela tinha ganhado o premiozinho
da noite e não me deu muita atenção. Algumas semanas depois,
justamente quando eu estava percebendo que aquilo não era lugar para
mim, ela veio falar comigo.
― Gostei
do trecho que você leu.
Eu
tinha lido o trecho de um livro que peguei lá em casa, acho que era
da minha mãe.
― Legal,
né. Olha, eu estou só dando um tempo aqui, depois eu vou para a
Homens de Terno. Você está a fim de ir? Meu carro está ali na
Hilário de Gouveia.
― Homens
de Terno, o que é isso?
― É
essa boate nova que abriu aqui em Copa. Tá bombando, tá todo mundo
indo para lá.
― Homens
de Terno? Não, acho que eu não conheço, não... Mas olha, eu tenho
estágio amanhã, então fica para outro dia, tá. Você vem sempre
aqui, a gente vai acabar se encontrando.
Preferi
não dizer que eu não voltaria mais ao clube. Peguei o carro e fui para
a Homens de Terno. Lá tem um lance legal, você escolhe algumas
músicas numa tela, e o sistema vai tocando automaticamente as mais pedidas. As que eu escolhi nunca foram tocadas, mas
claro que eu não ligo. Eu gosto mesmo é de tecnologia. Sou
webdesigner e estou pensando em fazer um curso de programação.
Fiquei
por ali, dançando e bebericando minha caipvódica. De repente quem
eu vejo na pista? Era a Luciana, achei que ela parecia mais
alta, mas era ela mesmo.
― Ué,
você falou que não vinha.
― Olha
que louco. Uma amiga me ligou, perguntei onde ela estava, e ela falou
que estava aqui. Achei uma súper coincidência.
― E
cadê sua amiga?
― Ela
já foi.
― Ah,
tá.
Fiquei
dançando um pouco, depois fui comprar um Red Bull. Quando voltei
para a pista, eu já estava um pouco alto e fui me aproximando da
Luciana e dançando com os braços meio abertos. Ela deve ter achado
que eu queria abraçá-la, e me abraçou, e a gente ficou dançando
agarradinho, até nossas bocas se encontrarem meio sem querer ou por
querer ou por nada. Ela não era assim aquela gata, mas tinha um
corpo legal e beijava gostoso. Passamos um tempo nos beijando e
dividindo o Red Bull, depois ela falou que queria uma água e a gente
foi para uma mesinha. Eu notei que ela estava sem sutiã, e uma
mulher sem sutiã me dá uma aflição que eu não sei explicar.
Esperei ela acabar a água, e falei:
― Olha
só, tem umas salas privês aqui, só que a consumação é mais cara.
― Eu
não ligo para sala privê. Você liga para sala privê?
― Pois
é, eu prefiro a sala privê, a gente fica mais à vontade, tem ar
condicionado... Olha só, se eu pagar a consumação, você acha que
dá para rolar um sexo legal?
― O
quê?! Você tá doidão, cara? O quê que você tomou?
― Tomei
só o Red Bull mesmo. Estou perguntando para evitar mal entendido.
Não quero pagar a sala privê para a gente ficar só beijando.
― Quê
é isso, cara?! Você é louco? Isso não é jeito de falar com
mulher, não. Se você está acostumado a falar assim, você deve
estar andando com gente muito vulgar.
― Desculpe,
eu queria falar antes, para não ter mal entendido. Ia ser muito
chato se a gente entrasse lá na privê e você não quisesse
transar.
― Pô,
cara, não é que eu não queira ir para a privê, mas desse jeito
que você falou, sinceramente, isso brocha qualquer uma.
― Tudo
bem, tudo bem. Não precisa ficar nervosa. Eu só queria perguntar
antes para evitar mal entendido...
― Sei...
Você é muito sinistro, viu.
― É...
Eu sou meio sinistro...
Ficou
aquele clima estranho. Eu não sabia o que dizer, e estava louco para
ir para a sala privê. Deixei passar um tempo, e falei:
― Olha,
a gente pode se ver outro dia. Deixa seu telefone comigo.
― É,
acho que vai ter que ser outro dia mesmo. Hoje foi estranho, né.
― É,
pois é...
― Vem
cá, me fala só uma coisa. Você já falou assim com outra mulher?
― Já,
já falei, sim.
― E
deu certo?
― Não
é uma questão de dar certo. Ela também queria ir para a sala
privê.
― Meu
Deus, mas você não entende, né! Não é que eu não quisesse ir,
mas desse jeito que você falou, simplesmente não dá, cara. Não é
assim que se fala com uma mulher.
― Eu
sei, você já falou isso... Mas eu sou assim mesmo, gosto de deixar
as coisas bem claras. É o meu jeito, sei lá. Mas olha, agora eu vou
lá para a privê, tá. Outro dia a gente conversa. Me fala seu
telefone aí, qualquer dia eu te ligo.
Ela
falou o telefone e eu salvei por puro reflexo. Não estava pensando
em vê-la de novo. Quando entrei na privê, senti aquela sensação
gostosa, aquele conforto, aquela tranquilidade. Tinha ar
condicionado, tinha um sofazão, o vidro fumê dava para a pista.
Fiquei um tempo curtindo aquele clima gostoso, depois liguei para o
Minuto (o nome do cara é esse mesmo, Minuto).
― Fala aí,
Minuto! Beleza?... A Bárbara está por aí?
― A
Bárbara não está aqui em baixo, não. Deve estar atendendo alguém.
― Tem
alguma peituda, aí?
― Tem
uma charmosona aqui, que chegou há pouco tempo do Espírito Santo.
Quando
o Minuto fala “charmosona” é porque a mulher é meio coroa. Não
curto coroa, falei com ele para me ligar se chegasse alguma garota
mais nova.
Passou
um tempo, o Minuto me ligou.
― Chegou
uma menina aqui.
― É
branca? Cabelo liso?
― Sim,
é branquinha, cabelo liso. Duzentos reais.
― Fala
com ela para subir.
A
garota valia até mais que duzentos. Era novinha, tinha um corpaço.
O foda é que tinha aquele sotaque carregado do interior de Minas.
Odeio esse sotaque. Faz a mulher parecer uma empregadinha. Mas a vida
é assim mesmo, não se pode querer tudo na mesma noite, na mesma
mulher.
Apesar
de novinha, a garota era experiente e conduziu muito bem a situação.
Me relaxou de várias formas. Depois me bateu uma fome danada e eu
pedi um chisbúrguer com batata. Quando vi que ela ficou de bobeira,
fazendo hora ali na sala, disse que estava esperando um amigo e pedi
que ela se retirasse. Se eu não fizesse isso, ela ia avançar na
minha batata. Eu conheço bem essas meninas, sei o que estou fazendo.
Comi meu chisbúrguer numa boa, depois fiquei de bobeira, simplesmente
ouvindo música e me sentindo feliz. Não sei se é assim com todo
mundo, mas depois do sexo eu sinto uma coisa tão boa que só pode
ser felicidade. Depois fui para casa dormir com a minha felicidade.
Algumas
semanas depois, eu estava sozinho, e resolvi voltar no Clube da
Leitura. Não gosto muito daquele lugar, mas, como não consigo ficar
em casa, acabo indo para qualquer lugar onde tem alguma coisa
acontecendo. Peguei um livro da minha mãe, e fui.
Assim
que cheguei, vi a Luciana. Achei que ela nem ia me cumprimentar. Mas
ela veio falar comigo.
― E
aí, tudo bem? Como é que foi aquele dia lá na boate? Você
encontrou alguém que queria ir para a privê?
― Encontrei,
sim. Chamei uma garota de programa.
― Ah,
chamou uma garota de programa?! Então você é um homem moderno,
século XXI?
― É,
acho que eu sou, sim.
Alguém
chamou a atenção da gente. Estávamos atrapalhando o evento.
Ficamos quietos, aguardando nossa vez. Depois abri o livro em
qualquer página e li um trecho lá. No fim do evento todo mundo
votou no meu trecho, e fiquei em dúvida se devia ficar contente ou
envergonhado. Mas resolvi ficar contente.
Quando
tudo acabou, a Luciana veio falar comigo.
― Legal
esse livro. É da Anaïs Nin, né.
― É...
― Vem
cá, você vai para a Homens de Terno hoje?
― Posso
ir.
― Você
me leva?
― Levo,
sim. Tudo bem.
Quando
entrou no carro, ela ficou folheando o livro, depois falou: ―
Parece que é muito maneiro esse livro. Você me empresta?
― O
livro é da minha mãe, não posso emprestar, não.
― Ah,
tá... Tudo bem... Eu vou anotar o nome, depois eu tento baixar na
internet...
Chegamos
na Homens de Terno e ficamos dançando assim de bobeira, sem muita
vontade. Acho que ela estava chateada comigo, porque no outro dia eu
a tinha deixado sozinha. Mas o que eu podia fazer? Eu estava muito a
fim de transar. Se a gente fosse para a privê, e ela não transasse,
eu ia ficar muito puto. E de repente, quem eu vejo na pista? Leandra,
aquela loira catarinense inacreditável! Ela estava com uma blusa
rendada, transparente, chamando bastante atenção. Se eu não agisse
rápido, ia perder a oportunidade. Cheguei nela já falando: ― E
aí, Leandra, você está linda!
― E
aí, gatinho. Tudo bem?
― Vamos
subir para a privê?
― A
gente pode ir, mas hoje eu estou cobrando trezentos, tá.
― Pô,
trezentos, Leandra? Por que é que aumentou assim, de repente?
― A
cidade está com pouco movimento, sei lá. Não está dando para
pagar as contas.
― Tudo
bem, eu entendo. Eu tenho aqui, não tem problema.
Ela
abriu um sorrisão para mim, depois me deu um selinho. Meu Deus, não
tem nada melhor que uma mulher como a Leandra! O homem que inventou a
garota de programa fez um bem tremendo para a humanidade. É um dos
meus heróis, sem dúvida.
Mas
a Luciana estava ali do meu lado, e ela ficou me olhando com uma cara
súper amarrada. Fiquei meio sem graça, e resolvi apresentar as
duas.
― Olha
só, Luciana. Essa aqui é a minha amiga, Leandra.
A
Leandra estava de salto e chortinho de látex. Ela tinha cabelos
pintados, quase amarelos, e seios do tamanho de bolas de vôlei.
Estava meio na cara que ela era garota de programa. A Luciana ficou
meio confusa, não sabia o que dizer.
― Prazer...
Eu conheço o Rodrigo lá do Clube da Leitura.
― Eu
conheço ele daqui mesmo... ― Ela riu, com uma cara maliciosa. ―
Ele não sai daqui.
― Exagero
dela, Luciana. Eu venho no máximo duas vezes por mês. Também não
sou nenhum Eike Batista, né.
Rimos
um pouco, falamos algumas trivialidades, depois subi com a Leandra
para a sala privê. Ela estava maravilhosa. Já temos alguma
intimidade. Ela é como uma velha amiga para mim, mas não perdemos muito tempo conversando.
Mais
uma vez, encontrei aquela felicidade serena e ao mesmo tempo
vibrante. Depois me deu um pouco de fome e fui para o bar, comer
alguma coisa. Assim que pedi uma batata, quem apareceu? A Luciana.
― Ué,
pensei que você já tinha ido.
― Resolvi
ficar um pouco.
Me
dei mal. Quando a batata chegou, ela meteu a mão. É por isso que eu
não gosto de comer perto de mulher. Elas se sentem no direito de
comer o que é seu.
Passou
um tempo, falei: ― Tô indo. Ela me segurou pelo braço: ― Deixa
eu te perguntar só uma coisa. ― Fala, o que é: ― É que... essa
Leandra... Quer dizer, foi com ela que você subiu para a privê, não
foi? ― Foi ela mesmo. ― E ela... quer dizer, quanto ela cobra
para ficar lá com você? ― Duzentos. ― Nossa, duzentos reais?!
Duzentos reais para ficar uma hora na privê? ― Não sei se foi uma
hora, você marcou? ― É... Marquei... só de curiosidade. ― Pois
é, então é isso. Duzentos reais, uma hora. Agora eu preciso ir,
estou morrendo de sono. ― Você vai voltar no Clube da Leitura? ―
Não sei. ― Vai, sim, pô. Aparece lá. ― Tá, eu vou. Tchau.
Passaram
algumas semanas, lá estava eu no Clube da Leitura, de novo me
perguntando que diabo eu ia fazer naquele lugar. A Luciana viu que eu
estava com o mesmo livro, e perguntou: ― Anaïs Nin, de novo? Eu
nem sabia que o autor daquele livro se chamava Anaïs Nin. Os outros
livros que tinha lá em casa eram sobre dietas ou sobre os não sei
quantos passos das pessoas de sucesso. Aquele era simplesmente o
único que eu podia levar.
Chegou
minha hora, li qualquer trecho lá. Eles gostaram, até bateram
palmas. A Luciana me perguntou: ― Quando é que você vai me
emprestar?
― Você
não conseguiu baixar pela internet?
― Por
que você não baixa para mim? Você tem cara de ser meio hacker.
Ah,
meu Deus, mulher é um saco. Dei um tempo e saí de fininho e nem
falei para a Luciana que eu estava indo para a Homens de Terno.
Fiquei com medo de ela pedir carona e ficar insistindo para eu
emprestar o livro.
Cheguei
na boate. Não deu cinco minutos e ela estava lá. Ficou falando
besteira, nhém, nhém, nhém, Anaïs Nin, não sei mais o quê. Eu
não aguentava mais, daí falei: ― Você me paga um Red Bull? Ela
falou: ― Tá sem grana? tudo bem, posso pagar. Então resolvi ficar
mais um tempo, porque pelo menos ela estava pagando o Red Bull. Daí
de repente me deu a impressão de que ela estava falando “se eu
fosse cobrar não seria menos de trezentos”, e acho que meu olho
brilhou. Eu pensei: a minha cabeça está latejando ou o quê?
― O
que foi que você falou?!
― Eu
falei: Anais Nin, nhém, nhém, nhém, não sei mais o quê.
― Não!
Sobre os trezentos reais?
― Ué,
se eu fosse cobrar, não seria menos de trezentos. Não sou nenhuma
vagabunda, né. Eu tenho classe.
Olhei
para os peitos dela. Ela estava de sutiã, mas deu para ver que era
um sutiã honesto, sem enchimento. Daí mandei:
― Vamos
subir, eu tenho os trezentos aqui!
― Ah,
você é louco, né. Você era bem capaz de me dar esses trezentos
mesmo.
― Chega
de conversar, vamos para a privê, agora! Falei isso com raiva e
tesão, depois a agarrei e a beijei com força. Quando fomos para a
sala privê, meu coração estava a mil, eu sentia que estava me
acontecendo uma coisa estranha e bonita, uma coisa que não pode
acontecer todo dia. Abaixei o vestido dela, tirei o sutiã e nadei
naqueles seios lindos, porque eu era uma criança feliz, encontrando
uma piscina ou um brinquedo fantástico ou um milagre. Tudo foi quase perfeito, mas teve hora que ela ficou me olhando com uma cara
interrogativa, como se estivesse perguntando: “eu estou fazendo
direito? É assim que as putas fazem?”, mas também podia ser: “você
vai baixar o livro para mim? Você vai contar para alguém do Clube
da Leitura?”
Só que, mesmo
não sendo perfeito, a felicidade do sexo me dominou; fiquei mais
uma vez com a impressão de que a vida valia a pena. O dinheiro, o
sexo, as prostitutas, tudo isso é muito bom, não entendo por que
tem tanta gente que fala mal. Assim que ela se vestiu, eu passei para
ela os trezentos reais. Ela enfiou na bolsa e falou: ― Você sabe
que eu só estou aceitando isso porque é uma fantasia sua, né. Você
sabe que isso não tem nada a ver comigo, é tudo uma loucura que
você criou.
― Eu sei, isso não está acontecendo.
Ela
riu.
― Você
vai ficar mortão aí, não vai descer?
― Vou
ficar mais um tempo aqui, só curtindo o ar condicionado.
― Tá,
você tem meu telefone. Qualquer coisa me liga.
Fiquei
um tempo lá, deitado, só ouvindo a batida que vinha da pista,
pensando em como eu gostava daquele lugar, como eu gostava do meu
dinheiro, das mulheres brancas, dos peitos grandes... ou talvez eu
não estivesse pensando em nada, o que era ainda melhor.
Passou
um tempo e me deu aquela vontade de ir para o Clube da Leitura. Mas
eu queria ser forte, queria não ir. Peguei o telefone e liguei para
a Luciana.
― Eu
estou aqui na Homens de Terno ― ela falou.
― Você
não vai no Clube da Leitura?
― Hoje eu acho que vou ficar por aqui.
Peguei
o carro e fui para a Homens de Terno, feliz por conseguir evitar o
Clube. Cheguei lá, não vi a Luciana, mas não liguei. Pedi uma
caipivódica e fiquei de bobeira. Daí a pouco aparece o Minuto.
― Sabe
quem tá aí?
― A
Suzana?
― Não,
a Bárbara.
― A
Bárbara, que maneiro! Cadê ela?... Ah, tá, já vi, já vi.
Fui
dançando para perto da Bárbara, cumprimentei, perguntei se ela
estava esperando alguém, que é o jeito de perguntar se uma garota
está livre. Graças a Deus, ela não estava esperando ninguém, e
subimos para a privê. Eu não preciso descrever a Bárbara, pense
nas garotas mais bonitas que você já viu. Ela é tipo um resumo
disso, com a diferença de que nela você tem como chegar.
Relaxamos
gostoso, depois ficamos deitados de conchinha, num silêncio quase
íntimo. Ela perguntou: ― Você não sente frio com esse ar
condicionado? Eu falei que não, mas na verdade eu estava com um
pouco de frio, sim. E também estava com fome, e pensei uma coisa bem
óbvia: se eu pedisse comida pelo interfone, a Bárbara ia comer
comigo e não ia pagar. Então me vesti e falei que eu tinha que
voltar para o bar. Quando eu estava saindo da sala, vi uma
coisa que eu não podia acreditar, e um segundo depois eu acreditei e
achei espantosamente natural. A Luciana estava saindo de outra sala
privê e se despedindo de outro cara. Ela me lançou um olhar sério
e profundo, e aquele olhar dizia: não me cumprimente, finja que não
me conhece. Obedeci candidamente, como quem obedece a uma regra que
aprendeu na infância e não lembra que aprendeu. Mas não a perdi de
vista e mais tarde consegui me aproximar.
― Você
foi no Clube da Leitura? ― ela perguntou.
― Não
fui, não.
― Olha
só, eu queria te pedir uma coisa.
― Pode
deixar, eu vou tentar baixar o livro para você.
― Não,
não é isso, não... É que... Não comenta com ninguém, não, tá.
Porque isso é uma coisa temporária, não vou fazer isso por muito
tempo.
― Que
é isso, não vou comentar nada com ninguém. Isso não está
acontecendo, é só uma loucura da minha cabeça.
Ela
riu uma risada gostosa, e ri com ela e acabamos nos abraçando,
deliciosamente. Me deu vontade de falar “eu te levo em casa”,
mas senti que isso estragaria o equilíbrio delicado daquela noite.
Eu precisava voltar sozinho, para pensar devagar e entender o que eu
já sabia. No carro lembrei que, quando nos conhecemos, ela estava
com uma maquiagem exagerada, fazia gestos vulgares, parecia uma
garota de programa. Naquela noite pensei que a diferença entre
minhas amigas e as garotas de programa era apenas o dinheiro dos
pais. Agora eu percebia que essa equação não era tão
simples. Talvez houvesse, em algumas mulheres, uma alma de
prostituta, esperando o momento certo para vir à tona. Eu fui esse
momento para Luciana. O destino me usou para permitir que ela se
revelasse a si mesma, e fizesse uma transição suave, sem traumas. Essa ideia me animou e confortou ao mesmo tempo, talvez
porque no fundo eu ame as garotas de programa. Sem elas eu seria
provavelmente mais um maridinho submisso, pai de dois filhos,
trabalhando incessantemente para sustentá-los. As prostitutas me
libertaram desse destino previsível e banal.
Cheguei
em casa feliz. Minha mãe, mais uma vez, tinha dormido diante da
televisão. Desliguei o aparelho, fui para o quarto, encontrei, na
minha mesa, o livro da Anaïs Nin, que eu nunca tinha lido. Antes
pegar no sono, consegui ler algumas páginas.
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