quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ele nunca disse a ninguém


Ele ficou chocado quando fez a descoberta. Estava na cama, o corpo nu recebia uma brisa suave de maio. A namorada tinha ido ao banheiro, não gostava de ficar com sêmen entre as pernas. Quando voltou, deitou a cabeça sobre o peito dele, disse as palavras carinhosas que costumava dizer nessas horas. Falou sobre casamento, sobre a felicidade de ter encontrado a pessoa certa. Ele se perguntava se devia lhe contar a novidade — a coisa acabava de se revelar, clara e serena como um reflexo de lua. Mas sua namorada era muito bonita, ele temia perdê-la. E o pior é que ela se culparia por tudo. Buscaria o motivo nalguma parte do seu corpo, na barriga, nas mínimas estrias, na cor do cabelo — talvez no estranho cheiro de rosas queimadas que ela exalava principalmente depois do sexo. Ela era mulher, não podia evitar o prazer misterioso da culpa. E por isso mesmo ele resolveu se calar. Não queria correr o risco de torná-la infeliz como uma divorciada. Se nunca mais pensasse no assunto, talvez a revelação passasse despercebida. Talvez desistisse de se mostrar, e bateria em outra porta, como essas pessoas que vêm pedir para campanhas de caridade. E, de fato, protegido pela rotina, Paulo conseguiu esquecer o assunto. Sua namorada não percebeu, e ele nunca disse a ela, nem a ninguém, que não gostava de sexo.

Um comentário:

  1. Esse miniconto foi publicado na Cult de outubro de 2011, na seção Oficina Literária. Fiquei sabendo graças ao Clêiton, que me avisou aqui pelo blogue. Muito obrigado, Clêiton. A revista não me mandou nem um email. Se não fosse você eu não teria visto a publicação do meu próprio texto.

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