Um pentagrama tatuado nas costas, uma lua e três estrelas na mão. Ela tentava me convencer que bruxaria era coisa boa, “o contato com a natureza, a sensibilidade para as energias cósmicas, o cristianismo é que estragou tudo, com aquela moral repressora...” Eu tolerava incenso e maconha em troca de alguns orgasmos — o que um adolescente não faz movido por hormônios? Mas deuses pagãos não são eternos. Um dia foi minha paciência e veio a inquisição. Confessei meu ceticismo. Ela não tinha poderes sobrenaturais, era apenas humana, ou pior: mulher. Ultrajada, tentou se defender atacando — Nunca gozei com você! — mas isso apenas provava sua completa falta de poderes mágicos. A não ser, é claro, para a hipocrisia: nos despedimos com beijinhos formais. Quando ela bateu a porta, o ar puro voltou a fluir no meu apartamento.
II. La Mamma
Ela ficou decepcionada quando esqueci nosso aniversário. Não mandei cartão, não telefonei, mas continuei sendo o destinatário de suas palavras carinhosas: “meu amor”, “minha vida”, “razão da minha existência”. Ela não podia evitar, já que fora educada por estórias infantis e canções românticas. Quando não era a princesa, esperando que eu matasse um dragão, tornava-se uma mãe solícita e pegajosa: “Leve agasalho”, “Não tome leite vencido”; frases até desejáveis quando uma mulher não sabe fazer outra coisa. Confesso que quase a amei, sobretudo quando dentro do seu corpo quente e molhado. Mas seus olhos mendigos pediam algo que eu não podia dar: uma promessa. Acabei por lhes dar algumas lágrimas. Felizmente, seriam poucas. Funcionários públicos vivem à espera de mamães como essa. Eles sim, têm as promessas que elas pedem. Eu ainda tinha alguns dragões para matar.
III. É Ela
Quando ela disse “eu te amo”, tive certa vertigem. Eu queria mesmo tocá-la de novo, sentir o frescor inesperado da sua pele, a maciez sombria dos cabelos negros, estranha nuvem noturna — mas achei que o destino me negaria o privilégio. Veio o privilégio, veio o deleite escandaloso da sua nudez, o tremor ilícito das nossas bocas: a dela de prazer, a minha de medo — medo de ser a única vez. E, de fato, ela não voltou a falar em amor. Fez bem melhor que isso: me deu ordens. Explicou que filhos precisam de um pai, com gravata e carteira assinada. Eu obedeço calado. Não quero que ela descubra minha enorme satisfação. De dia uso o trabalho para esquecê-la. De noite seu corpo absorve essa revolta muda e absurda que tem sido meu único pecado desde que me entendo por gente. Entre uma novidade e outra, passei a acreditar em Deus; afinal, preciso ter a quem pedir. Enquanto ela dorme, peço baixinho que eu seja sempre o destinatário das suas ordens, peço que eu saiba o que fazer com esses moleques ruidosos que brotarão do seu ventre, e peço, sobretudo, que seu riso me dê sempre essa sensação de que já vivo na eternidade. Não tenho mais dúvidas, não preciso de mais nada.
Ronaldo, eu realmente gosto do que vc escreve!
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