O falsário era poeta — e dos bons, como lhe diziam —, só que falso. Seus amigos, no entanto, não o distinguiam de um poeta veraz, e graças a isso ele pôde conquistar um pequeno círculo de admiradores. Nas festas, em que só comparecia sob súplicas, todos louvavam a verve que produzia alternadamente versos melancólicos e frases originais. Também dominava razoavelmente alguns idiomas estrangeiros e fazia citações curtas de Nietzsche, Sartre ou qualquer outro galhardo, impressionando os convivas com sua cultura filosófica forjada. É certo que não o fazia por mal. Era um fruto das circunstâncias e conquistara seu posto inadvertidamente, por vias que ele próprio desconhecia. E como não era estúpido, tratou de encarnar um personagem sutil e distante, de forma que sua popularidade, não remitindo nem crescendo, permitisse-lhe apenas o suficiente para gostar de si mesmo.
Nos domingos à tarde, quando não havia nada de bom na TV, sentava-se ao computador para fazer o que convencionara chamar de compor: reunir palavras aleatoriamente, empilhando frases confusas numa seqüência desconexa. Quando a desordem não era por si só convincente, lançava mão de seu repertório de frases niilistas (embora não soubesse exatamente o que era niilismo) e apologias do suicídio. Seus amigos, que também fingiam querer suicidar-se, receberiam a massa confusa de palavras por correspondência eletrônica, e, depois de invocarem termos retóricos, como nonsense e surrealismo, taxá-la-iam de autêntico poema pós-moderno. E, de fato, era assim que o Poeta Falsário existia.
Sucedeu que uma noite, numa dessas festas de semi-drogados, conheceu aquela que lhe pareceu a mulher dos seus sonhos. A moça cantava, profissionalmente, como fez questão de dizer. O Poeta Falsário, que se tornara, meio que acidentalmente, um mestre da simulação, reconheceu imediatamente a falsidade dos vibratos da moça; a Cantora Falsária, ainda que nova no ramo, não teve dificuldade em adivinhar o embuste por trás do poeta: foi amor à primeira vista.
Algumas trepadas depois, sentiram a ânsia da sinceridade, tão comum nos amantes. A confissão foi mútua e previsível, "Sou uma fraude", e antecedeu juras de discrição. Com a malícia que haviam adquirido e a cumplicidade dos que se amam, não foi difícil manterem-se em suas respectivas posições fraudulentas. E, com efeito, foi o que se deu com o resto de suas vidas: foram falsos; e verdadeiramente felizes.
Que delícia!
ResponderExcluir