Tinha cismado com aquela canção. Quando não olhavam, ele a cantava baixinho, até que alguém reparava e ele aumentava a voz. Sentia-se feliz por não ter vergonha. Mas logo percebeu que tentava provar a si mesmo que não tinha vergonha — e envergonhou-se. Calado, agora preferiu retê-la na cabeça, e assim passou o resto do dia, absorto e grave como se planejasse um furto. Só à noite quis romper o silêncio, quando ligou para a namorada, certo de que encontraria uma ouvinte piedosa. “Alô”. Ele não respondeu. Queria começar direto pelos versos que tanto o ocuparam pela manhã, “Quem é?”, mas os desgraçados lhe faltaram, e ele teve de se render, surpreso e derrotado pela fuga. “Marcelo, é você?”, “É... sou eu”.
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