quarta-feira, 2 de agosto de 2023

 

Babás e bonecas


1


Quando os primeiros andróides começaram a chegar ao mercado, eu tinha acabado de me divorciar, e comprei um modelo Garota Sexy para me divertir. Foi uma ótima compra. A andróide me relaxava de várias formas, não falava em filho, não ficava reclamando da vida, nem sequer me pedia para tomar banho. Quando eu dormia, ela ia se recarregar, e a gente não tinha muito tempo para se desentender.

Vivi um período de enorme alegria. Me tornei mais produtivo no trabalho, parei de me aborrecer com pequenos detalhes. Acho que fui simplesmente feliz.

Alguns anos depois, meu filho fez dez anos, e minha ex-mulher mandou ele morar comigo. Pensei em vender minha andróide sexy e comprar uma andróide babá, mas logo descobri que isso era inviável. As robôs babás eram muito mais caras. Segundo os vendedores, elas gastavam mais energia e exigiam um software muito mais complexo.

Passei alguns dias muito mal, pensando que ia ter que suportar meu filho. Ele não parava quieto, ligava música ou televisão na maior altura, não sabia cozinhar, não sabia arrumar a casa, e ainda não conseguia passar o uniforme da escola.

Eu já estava tremendamente estressado quando uns amigos me contaram que havia uns técnicos no centro que consertavam andróides sem autorização do fabricante. Cogitei que um deles saberia como copiar o software de uma robô babá e instalá-lo numa andróide sexy. Não devia ser tão difícil. Se é possível trocar o sistema operacional de um computador, com um andróide não deve ser muito diferente.

Num dia de folga, peguei a Dêise e fui para o centro em busca de informação. Encontrei um gordinho simpático que faria esse trabalho por um preço razoável. Quando alguém viesse consertar uma babá, ele clonaria o software dela, depois passaria para a Dêise. Ele disse que entraria em contato, assim que pintasse uma babá para ser consertada.

Em poucas semanas o trabalho estava feito. Dêise agora não me chamava de garotão, não fazia gestos sensuais, não tirava a roupa de forma lenta e provocante, não gemia gostoso quando ficava por cima, medindo com precisão os movimentos e a força do quadril. Mas sabia cozinhar, passar roupa, arrumar a casa, e sobretudo falar certas frases para o garoto; frases que estimulavam o aprimoramento moral e o uso cauteloso das palavras. Confesso que tive um pouco de pena do rapaz, mas eu sentia que aquilo era necessário. Agora eu podia dormir de noite. Ela o mandava desligar a televisão, e chegava a desligá-la pessoalmente quando ele se recusava.

Voltei a dormir melhor. Saía para dar uma arejada nos fins de semana. Pensei até em arranjar uma namorada. 


2


Um dia eu estava no trabalho e recebi um estranho telefonema. Minha Unidade Autônoma de Serviço Doméstico tinha prestado queixa à polícia. Parece que meu filho havia tentado molestá-la, e chegou a pedir que ela mostrasse as partes íntimas. Fiquei confuso. Não sabia se ficava feliz pelo meu filho ou se deveria temer as consequências.

Mais tarde passei na delegacia e descobri que a coisa não era tão grave. O garoto ia ter que comparecer a um auditório da polícia e ouvir umas palestras sobre como se portar diante das mulheres. Naturalmente, protestei, dizendo que a babá eletrônica não era uma mulher de verdade. O oficial disse que, nesse caso, as coisas se equivaliam, pois se fosse uma mulher, esse tipo de ato também geraria a possibilidade de queixa. E acrescentou que, quando o rapaz fosse maior de dezoito, seria melhor eu comprar uma Modelo Sexy. Ele poderia até ser preso por fazer certas coisas com andróides babás. Estava na lei: a andróide comprada para trabalho deve exercer somente as funções do trabalho para o qual foi comprada. Exigir o contrário era violar a Política Nacional de Andróides. 

Acabei concordando, voltei para a casa e expliquei as coisas ao garoto. Tentei bancar o pai compreensivo. Disse que ele tinha agido normalmente, mas precisava se aprimorar, saber escolher a pessoa e as palavras certas, para obter o que estava buscando. 

Dias depois decidi vender a babá. Percebi que eu corria o risco de ser multado, ou até preso, por ter um artefato ilegal em casa. Tive que conversar com o garoto, ensiná-lo a passar roupa, a cozinhar. Tive ainda que abordar o difícil assunto dos horários e do volume da TV. A babá eletrônica, no fim das contas, não serviu para muita coisa.

Mas sinto que minha alegria poderá voltar. As andróides sensuais estão evoluindo rapidamente. Agora há mais opções de cabelo e cor de pele. Os anúncios dizem que elas estão tão inteligentes que já podem até ser levadas para jantar. Meu filho vai fazer dezesseis anos e acho que vou mandar ele estudar em outra cidade. Minha saúde e meus pequenos prazeres de adulto, graças à tecnologia, em breve voltarão ao normal.


domingo, 25 de setembro de 2022

Livro Lançado



Se você curte meus contos, talvez goste do meu livro. Dá uma olhada:

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quarta-feira, 28 de abril de 2021

Revoluções de Marte


Os primeiros homens que chegaram em Marte tinham extrema facilidade para cortar e levantar rocha. Afinal estavam numa gravidade três vezes menor que a da Terra. Tudo para eles era muito mais leve, e suas ferramentas eram bastante eficientes.

Eles fizeram casas enormes, com tetos robustos que os protegiam da radiação solar. Usaram canhões de microondas para descongelar a água e fizeram enormes lagos de água salgada. Desses lagos, destilavam água com bastante facilidade. Não é difícil destilar água onde as temperaturas já são naturalmente elevadas. Nas horas vagas, fizeram imensos auditórios de rocha, porque achavam que os próximos humanos, quando chegassem, contariam histórias de como a humanidade foi para Marte, qual a tecnologia usada, o que aconteceu com a Terra, etc.

Os filhos deles, acostumados desde crianças com a gravidade de Marte, já não conseguiam levantar e cortar grandes massas de rocha. Fizeram casas com a chamada argila marciana, um tipo de solo mais mole e menos denso, que necessitava de aglutinante para ficar de pé. Essas casas eram menores, menos imponentes e menos seguras. Eles não sabiam direito por que tinham nascido em Marte. Lá pelos trinta anos perceberam que nunca seriam grandes e fortes como seus pais. Começaram a ficar revoltados.

Descobriram formas de acessar satélites da Terra, e durante algum tempo a grande novidade foi ver vídeos de pessoas fazendo coisas simples, como cozinhar, brincar com gatos, ir à praia, nadar. Isso gerou mais revolta nos jovens, que começaram a se organizar e a exigir que fossem levados à Terra, para conhecer seu planeta de origem, brincar com gatos, ir à praia, andar de bicicleta, enfim, fazer tudo que os terráqueos faziam.

Os mais velhos primeiro tentaram explicar que eles não poderiam viver na Terra. Seus corações não suportariam tanto exercício, tanto movimento, tanto peso. E seus pulmões não suportariam a pressão atmosférica da Terra, dez vezes maior que a de Marte. (Eles estavam acostumados a respirar por meio de aparelhos, que não exigiam nenhum esforço da musculatura do tórax.)

As explicações serviram para gerar mais revolta. Houve um assassinato, seguido de prisão, seguido de mais assassinatos. Os velhos então mudaram de estratégia. Usaram filmes de ficção científica para demonstrar que a Terra tinha sido destruída por guerras e explosões nucleares. A única solução agora seria começar do zero, em Marte. Começar uma nova civilização, uma nova cultura, uma nova ordem social. Alguns acreditaram nos velhos e foram fazendo o que eles mandavam. Outros queriam construir naves, para ir à Terra e ver tudo com seus próprios olhos; tocar com suas próprias mãos, arriscar a vida para descobrir o que realmente tinha acontecido.

Um dos comandantes da missão marciana, um homem já com seus oitenta e nove anos, teve um plano para eliminar os revoltados. Ia construir uma nave imensa, embarcar os dissidentes e dizer que os estava mandando para a Terra, quando na verdade a nave estaria programada para levá-los para o Cinturão de Asteróides. Sem saber da verdade, os próprios revoltados trabalharam na construção da nave. Mas uma mulher do grupo dos velhos, uma senhora de 95 anos, se apiedou dos jovens e vazou informação sobre o destino verdadeiro da nave. Houve novos episódios de revolta, novos assassinatos e novas prisões.

Por fim decidiu-se que a melhor solução seria mandar os revoltados realmente para a Terra. Eles não se adaptariam, viveriam em hospitais e logo morreriam, mas o que se podia fazer, se eles não aceitavam mais viver em Marte? Morreriam na Terra, mas pelo menos deixariam os outros marcianos em paz.

Voltaram à construção da nave, agora com propósitos consoantes. Mas nesse meio tempo os velhos começaram a morrer e não repassaram as informações sobre como terminar a nave, e menos ainda sobre como navegá-la. Os jovens solicitaram essas informações da Terra, mas a Terra não os queria de volta. O que fazer com um bando de fracotes que mal conseguiria levantar uma furadeira? Um bando de baixinhos raquíticos, com data marcada para morrer. Além disso, eles seriam uma verdadeira peste intelectual, porque espalhariam a ideia de que a vida em Marte não valia a pena, contariam que Marte era apenas um deserto sufocante e inútil, e isso seria uma grande perturbação nos planos para construir mineradoras em Marte.

Os jovens marcianos não tiveram outra alternativa senão continuar em Marte, recebendo da Terra apenas alimento e oxigênio, nenhuma informação relevante e sobretudo nenhuma gota de combustível para naves. Tiveram filhos e, cuidando de seus filhos, sossegaram um pouco. Foram cumprindo mais ou menos as instruções que vinham da Terra. Trabalharam em grandes plantas para mineração. Ensinaram seus filhos a ler, a escrever, a destilar água, a calcular uma cúpula, a procurar minas de ferro, cobre, etc.

Os mais velhos, a essa altura, já tinham quase todos morrido. A segunda geração de nascidos em Marte começou a entrar na adolescência e a perguntar sobre sua origem. Os pais, com vergonha de seus sucessivos fracassos para voltar à Terra, com vergonha de suas revoluções frustradas, diziam apenas que eles descendiam de gigantes que eram muito mais fortes, muito mais poderosos e tinham uma tecnologia muito mais avançada que a deles. Gigantes que tinham vindo de outro planeta. Um planeta mágico, onde havia plantas, animais, frutas; onde a água caía do céu.

Os jovens cresceram acreditando nisso, mas seus filhos já duvidavam dessas histórias e achavam que tudo não passava de mitologia. Alguns, no entanto, eram imaginativos e construíram vastas obras teóricas descrevendo como deveria ser o planeta de seus ancestrais. Essas obras confusas eram feitas com base em filmes que vinham da Terra, mas como não conheciam a Terra, os teóricos misturavam informações de filmes de entretenimento com documentários sobre a Amazônia, sobre o uso de drogas, sobre o feminismo, sobre a indústria alimentícia, e no fim tudo continuava parecendo mitologia, fantasia, estupefação. Ninguém tinha uma ideia precisa sobre nada.

Nessa época muita coisa mudou. Robôs da Terra foram enviados para construir as grandes redomas de cristal de alumínio, que protegeriam o solo da radiação. Assim, os marcianos receberam material para começar sua própria agricultura. Obviamente ficaram fascinados com as plantas, esqueceram as revoltas de seus pais, plantaram batata, café, trigo, frutas. Fizeram bolos, pães, sucos, lasanhas, e fartaram-se. Experimentaram um prazer sobrenatural. Ficaram ainda mais impressionados com os terráqueos. Um povo que desenvolvia esse tipo de biotecnologia era mesmo superior em inteligência, destreza e sensibilidade. Não seria estranho pensar que os terráqueos eram deuses. Em honra a tais deuses começaram a fazer grandes festivais que coincidiam com as colheitas. Compunham frases ritmadas que pareciam música, depois cantavam, banqueteavam e faziam amor.

Desses massivos festivais vieram novos filhos, e os filhos aprendiam basicamente a ler, escrever, praticar agricultura e minerar o solo. Para aprender a ler, liam as tais obras teóricas sobre a Terra, obras que não distinguiam fantasia da realidade. Imaginavam a Terra como um local cheio de elefantes, gorilas, cangurus, tucanos, mas também com grandes cidades, automóveis, aviões, festivais de música, pessoas dançando, pessoas usando drogas e mulheres tendo orgasmos. Eles quase não notaram quando os grandes carregamentos de alimentos e utensílios da Terra começaram a escassear. Notaram, depois, quando todo tipo de transmissão de dados que vinha da Terra subitamente cessou. Mas, a essa altura, já não se importaram. Tinham construído sua própria civilização. Sabiam plantar, construir casas, sabiam criar codornas, destilar água e acrescentar a ela os sais necessários à vida. Sabiam minerar o solo e construir os equipamentos eletrônicos mais elementares. Sabiam fazer baterias para seus grandes carros elétricos, que eram lentos como bicicletas, mas eles não sabiam que carros deviam ser mais rápidos que bicicletas, assim como não sabiam que codornas eram menores que galinhas.

Nos auditórios que um dia foram construídos para se falar sobre o Planeta Terra e os motivos da viagem a Marte, agora havia grandes palestras sobre os deuses do passado. Deuses que geraram os marcianos, lhes ensinaram as primeiras palavras, lhes ensinaram álgebra, trigonometria, engenharia elétrica, depois voltaram para seu lugar de origem, que eles sabiam apenas que era um certo pontinho no céu. Um pontinho que ficava mais brilhante em alguns meses do ano. Um pontinho tão distante que era preciso ser um deus para ir até lá. Um pontinho tão fantástico, tão variado, tão vivo, que poderia até ser mentira, e os grandes livros que se escreveram sobre ele poderiam ser apenas grandes mitologias do passado.

Alguns marcianos acreditavam que era para lá que se ia depois da morte. Outros garantiam que depois da morte não havia nada, e que os livros intermináveis sobre o passado eram apenas fantasias tolas de marcianos primitivos, entediados pelo deserto, esperançosos de um mundo mais interessante, mais agitado e colorido.

Quem está com a verdade simplesmente não há como saber.


terça-feira, 31 de março de 2020

A Garota Lésbica



A garota lésbica

Depois que ela foi demitida da prefeitura, continuou a usar a camisa de trabalho, uma blusa branca, com mangas alaranjadas, escrito “Juntos podemos mais”. Sua namorada também usava essa blusa, principalmente quando andavam de moto, o que me dava a impressão de que as duas trabalharam na prefeitura e foram demitidas simplesmente por serem lésbicas; mas isso já é coisa da minha cabeça.


Um dia eu estava na festa de um amigo e ela estava por lá (com outra camisa). Fiquei com vontade de perguntar alguma coisa mas não tive coragem. Por fim foi ela quem puxou assunto e perguntou com quê eu trabalhava. Eu disse que era escritor, ela perguntou sobre o que eu escrevia. Inventei que meu último livro era sobre um cara bem apessoado que vivia pedindo dinheiro emprestado a mulheres maduras, solteironas ou divorciadas. Em troca dos empréstimos ele ia com essas mulheres a eventos sociais, casamentos, festas de aniversário, inaugurações de lojas e coisas desse tipo; eventos que as mulheres não gostavam de frequentar sozinhas. Ela me perguntou se ele fazia sexo com elas, eu disse que não. Ela riu e disse que a mãe dela tinha lido esse livro e gostado muito. Falsa, mentirosa, pensei; e acrescentei que um dia talvez eu pudesse conhecer a mãe dela, para conversarmos sobre o livro, sobre canalhas em geral, e darmos algumas risadas. Ela ficou meio sem graça, “Pode ser, por que não?” e foi andando para a cozinha. Depois chegaram o bolo e os docinhos. Só então percebi que eu estava numa festa de aniversário. Cantamos a música, comi alguma coisa que não caiu muito bem com a cerveja, mas deixei rolar. 


Mais tarde me aproximei de um grupo que já estava meio bêbado, e estava falando sobre mulheres. Alguns perderam a noção e falavam de coisas que constrangiam suas esposas. Alguém me perguntou por que minha mulher não estava na festa; eu disse que ela estava com meu filho, que estava meio doente, com febre, tossindo. Uma mulher, que conhecia minha mulher, disse que não sabia que eu tinha filho. É do primeiro casamento, eu falei. Não mora com a gente, vem para cá só de vez em quando. Não entendo por que sempre minto quando estou em público. E quando vejo que falo uma mentira, só consigo reforçá-la, não consigo voltar atrás. Sem a menor dúvida, preciso de um bom psicólogo.


Ouvi mais um pouco das piadas e mentiras dos bonachões, depois comecei a me despedir deles, que também já começavam a se despedir de si mesmos.


Encontrei então a mulher ou garota lésbica. Perguntei se ela queria uma carona para o lado da Vila Miranda. Ela disse que não estava indo para casa, ia ficar num bar no centro, e perguntou se eu podia deixá-la por lá. “Claro, por que não?”, eu disse, descendo atrás dela. E quando chegamos, ela me chamou para entrar por uns minutos. Estava muito cedo para ir para casa. Eu disse alguma coisa como “só mais uma cerveja”, e notei que as pessoas ficaram nos olhando quando passamos pela porta, provavelmente porque era um bar de lésbicas, e nós éramos, afinal, um homem e uma mulher.  


O segundo andar era bem decorado com dois sofás grandes nas laterais e luminárias antigas que pareciam grandes castiçais de cabeça para baixo. Quem estivesse num dos sofás quase não via o que se passava no outro. Pegamos uma cerveja e sentamos num deles. Ela me contou que seu cachorro poodle, ou yorkshire, estava com câncer. Eu disse que era uma pena e que ela devia estar sofrendo muito. E de repente nos abraçamos e começamos a nos beijar. E beijamos forte, como se estivéssemos a uns seis meses sem contato sexual. De cinco em cinco minutos ela passava a mão no meio das minhas pernas para ver se o tripé estava armado. Eu me perguntava: será que ela quer fazer aqui? O bar estava quase vazio, havia apenas algumas pessoas no sofá da frente e outras debruçadas nas janelas. De repente, sem tirar as botas, e com a maior naturalidade do mundo, ela se ajoelhou em cima de mim, abriu meu zíper e me cobriu com seu vestido. Dali começamos um sobe-desce profundo, transpirante, ritmado. Ela quase não olhou para o meu rosto, nem eu para o dela. Quando terminamos, ela disse: espere aqui, e correu para o banheiro. Enquanto eu abotoava minha calça, vi que algumas pessoas olhavam para mim, mais por curiosidade que por reprovação. Quando ela voltou, segurava uma bolsa que eu nem tinha visto com ela. Tomou mais um trago e disse: acho que vou ter que sacrificá-lo. Não suporto vê-lo sofrer. Percebi que falava do poodle. Dei uma desculpa qualquer, peguei o número dela e disse que precisava ir para casa. Ela me disse: nunca ligue nos fins de semana; depois acrescentou: não me mande mensagens. Era das duronas.


Cheguei em casa, tomei rapidamente um banho e fui me deitar. Cátia já estava de camisola, vendo televisão. Seu cabelo está com um cheiro estranho, ela disse. Respondi que na festa tinha muita gente fumando. E o Nelinho, está bem? Pensei comigo que Nelinho devia ser o aniversariante ou algum amigo mais chegado de Cátia. Está ótimo, garanti. Sempre sorrindo. Que bom, ela disse, já deve ter arranjado outro emprego. E se enroscou em mim, para dormirmos juntinhos, como fazemos no inverno. E eu dormi como uma criança, sem pensar em nada.


Algumas semanas depois encontrei a mulher lésbica na sala de espera de um médico. Ela disse que seu poodle tinha morrido. Quase tive pena.


Ronaldo Brito Roque